domingo, 17 de abril de 2011

A viagem

Como explicar o sumiço de uma blogueira veterinária? Não, não há muito o que dizer.
Não vale a pena escrever desculpas ou falar sobre o estresse no trabalho quando se ausenta daquilo que te faz tão feliz, como o Blog. Então, nada melhor do que contar uma história, enquanto pensamos que trabalho não é tudo, e saúde é fundamental.
Posso falar que estava trabalhando demais, mas não consigo me lembrar da última vez que não trabalhei demais, e mesmo assim o Diário Veterinária sempre tinha uma novidade.
Posso falar então que adoeci, mas até para isso eu gosto de parecer sofisticada, então inventaria um diagnóstico a la Doctor House que me levariam mais de dez artigos.
Então eu tomei uma decisão muito difícil, vou falar a verdade, eu fui estranhamente ABDUZIDA.
Como aqui é um lugar para contar histórias, eu vou contar o que aconteceu comigo.
Enquanto eu estava no trabalho, naquela penca de trabalhos em que eu me meti (gerente de um petshop em outra cidade, gerente e veterinária da clínica, responsável técnica pelos frigoríficos de pescado) eu acabei fazendo jus ao meu "jeito com as coisas" quando bati a cabeça e caí. 
Não sei se foi sonho ou realidade mas eu acordei dentro de uma gaiola, era uma gaiola grande e tinha mais umas três mulheres comigo. A gaiola ficava em uma sala com uma porta, janelas e mesas gigantes. As mulheres se pareciam comigo em altura, peso, cor da pele e dos cabelos, e elas estavam dizendo "Estou com fome! Estou com sede! Quero fazer xixi!".
Eu fiquei sentada no canto, sem entender. Às vezes elas olhavam para mim, às vezes elas brincavam entre si. Até que algo incrível aconteceu, um cachorro imenso entrou naquela sala, abriu a gaiola e pegou uma delas, que aparentemente ficou muito feliz. Eu não entendi o que o cachorro dizia mas ele saiu pela porta e não voltou mais. Eu dormi e acordei mais tarde, com um barulho e então já estava sozinha na gaiola. Dessa vez era um gato também muito grande, e me trazia um comedouro com pedaços de carne e pão. Eu comi tudo, estava com fome e sede, além de muito assustada. Comecei a chamar, gritei por nomes de pessoas que eu conhecia, chamei "cachorrão", "gatão", e nada. 
Eu queria fazer xixi mas ali tinham uns três penicos grandes e sujos. Na verdade aquela gaiola toda fedia e eu não imagino como consegui comer ali. Depois de umas quatro horas o cachorro voltou e me pegou nos braços. Ele era muito alto e eu fiquei com medo de cair. De repente ele enfiou a pata na minha boca, meus ouvidos e meu olho... começou a apertar minha barriga e eu gritei. Em seguida ele latiu, como se mandasse eu calar a boca. Então ele me pegou, e me jogou dentro de uma banheira. 
Uma cadela grande e gorda veio me dar um banho, me colocou uma roupa ridícula do Flamengo, me encheu de perfume e me entregou para uma família de gigantes Fox Paulistinhas.
Me colocaram em uma caixa escura mas eu até me senti protegida ali dentro. Depois de uns trinta minutos nós chegamos ao que parecia a casa daqueles cães. Eu estava com fome de novo, e sede, e sono e eles me tiraram da caixa, me colocando em cima de um grande colchão. Ali eu dormi.
Depois de um tempo, que eu não sei dizer o quanto, eu acordei com um barulho. 
Era uma ninhada de fox paulistinhas chegando, uns quatro que, apesar de filhotes, era muito maiores do que eu. Eles me puxaram, me jogaram uma bola colorida, depois outra bola colorida. Eu estava perdida, um deles me lambeu, o outro também, e eu procurei um lugar para me esconder. Não consegui ficar escondida por muito tempo, eles não me deixaram dormir, não me deixaram beber água, me viraram de cabeça para baixo. A cachorra mãe latiu de lá e eles correram para comer. Eu aproveitei a deixa para procurar um canto para fazer xixi e me esconder. Não encontrei nenhum penico pela casa, então fiz em um cantinho, e saí, mas dessa vez não fui para o colchão, tudo que eu queria era fugir daqueles cachorros, me escondi atrás de uns livros, aonde eu dormi com fome.
Acordei e estava tudo escuro, os cachorrinhos deveriam estar dormindo e vinha um cheiro maravilhoso do que parecia ser a cozinha. Fui seguindo o cheiro até uma cadeira imensa, a qual eu escalei e subi na mesa. Lá tinha uma espécie de torta, com carne, que eu comi quase a metade. Era muito grande.
Desci da mesa, e voltei para o meu cantinho.
Eu não sei o que aconteceu comigo mas acordei com uma dor de barriga insuportável. Se não havia penico para fazer xixi, imagine cocô? Tá certo, xixi evaporava, eu poderia esconder fazendo em um tapete mas,... êpa.. não dava mais para esperar, e era fato, eu estava com diarréia. Fiz pela casa inteira, deve ter sido aquela torta. E que sensação ruim, que porcaria, que enjôo... nãooo, eu também estava enjoada e agora havia vomitado pela casa toda também.
Não me lembro a hora que dormi mas me lembro dos latidos na hora que eu acordei. Os filhotes choravam olhando para mim, e uns três deles haviam pisado nos "presentes" que eu deixei pela casa. A cadela mãe vinha muito brava da cozinha, segurando a travessa com o resto da torta, que só de sentir o cheiro eu vomitei de novo.
O cachorro pai me pegou do chão e me colocou na caixa de transporte. Me levaram para passear de carro, um carro grande que balançava tanto que eu vomitei mais umas três vezes. Eu estava doente e aquela caixa, aquele carro, aquele cheiro, só me faziam ficar pior. 
Chegamos a uma espécie de hospital. Na recepção eu fui tirada da caixa e fiquei no colo do cachorro pai. Observei que tinha uma sala cheia de homens e mulheres tomando banho, as mulheres faziam as unhas e cachorrões e gatões arrumavam seus cabelos.
Do meu lado tinha cães e gatos, cada um com seu humano, e humanos de todas as idades, bebês, crianças, idosos, e eu.
Entramos no consultório e os cães pai e mãe conversavam em latidos com o cão médico. Devia ser algum tipo de veterinário para humanos. O que me fez pensar. Se esses cães e gatos ficam doentes, outros da mesma espécie tratam deles, porque não havia um da minha espécie para me tratar? Ao menos ele iria me entender, ouvir minhas queixas, tratar não só meus sintomas mas rapidamente saber minha doença. Depois de uns vinte minutos de latidos o cachorro médico, que era um chihuahua imenso (acredite), me pegou e me colocou sobre uma mesa fria. Latiu e vieram duas poodles rosas, que deveriam ser suas assistentes. Uma delas me pesou e eu prefiro não comentar qual era o meu peso, mesmo porque é uma história real, e não uma ficção. A outra veio com o termômetro, e foi quando eu gritei... Ahhhhh.... acho que desmaiei. 
As poodles ajudaram o chihuahua a me colocar no soro. Enquanto eu me estava sendo medicada, pude observar que o médico havia pego um mini vaso sanitário (mini para eles, para mim era o tamanho ideal) e dado algum tipo de orientação aos meus "donos". Também vi que ele mostrava várias embalagens de comida pré-cozida e ensinava os cães mãe e pai como preparar e me servir.
Depois de cerca de quatro horas eu já me sentia muito melhor, e as poodles vieram tirar meu cateter, me enrolaram em uma toalha e me entregaram para os cães pai e mãe.
Voltei dormindo para casa, e meus donos haviam comprado uns três vasos sanitários, duas caixas de cereais, lasanha pré-cozida, dentre outras coisas, isto é, comida de gente.
Ao chegar em casa, os quatro pestinhas correram na minha direção, quando a cadela mãe latiu e pareceu estar dando uma série de recomendações. Eu fiquei feliz pois ao menos naquela noite nenhum deles tentou arrancar a minha cabeça.
No outro dia eu acordei em uma cama normal, dentro de uma casa normal e pouco tempo depois eu percebi que estava na casa do meu irmão, em Brasília. Quatro meses se passaram desde o dia que eu fui abduzida e eu estava lá no Distrito Federal, em uma espécie de férias, junto com a minha família, e feliz.
Isso foi há cerca de duas semanas e eu já estou de volta em casa, pronta para voltar para à rotina, e com muitas lições aprendidas, dentre elas, a que eu preciso comprar um termômetro auricular para aferir a temperatura dos meus pacientes.

"No place like home"

Fonte da imagem utilizada
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